quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

A ARTE DE OUVIR


   Ela era uma senhora solitária envolta no luto da dor, desde que o marido morrera. Vivia só, na grande casa do meio da quadra. Casa com varanda e cadeira de balanço.
   Todas as manhãs, o entregador de jornais, garoto de uns 10 anos, passava pedalando sua bicicleta e, num gesto bem planejado, atirava o jornal nos degraus da varanda.
   Nunca errava. Paff! Era o sinal característico do jornal caindo no segundo degrau.
   Então, numa manhã de inverno, quando se preparava para lançar o jornal, ele a viu.
   Parada nos degraus da varanda, de pé, acenando-lhe para que se aproximasse. 
Ele desceu da bicicleta e foi andando em direção a ela.
   -O que será que ela quer? - Pensou o garoto. Será que vai reclamar de alguma coisa?
   -Venha tomar um café, falou a senhora. Tenho biscoitos gostosos.
   Enquanto ele saboreava o lanche que lhe aquecia as entranhas, ela começou a falar. 
   Falou a respeito do marido, de suas vidas, da sua saudade. Passado um quarto de hora, ele se levantou, agradeceu e saiu. No dia seguinte e no outro, a cena se repetiu. 
   O menino decidiu falar a seu pai a respeito. Afinal, ele achava muito estranho aquela atitude. 
   O pai, homem experiente, lhe disse:
   -Filho ouça apenas. A senhora Almeida deve estar se sentindo solitária, após a morte do marido. Deixe-a falar. Recordar os dias de felicidade vividos deve lhe fazer bem ao coração. É importante que alguém a ouça. 
   Nos dias que se seguiram, nas semanas e nos meses, o garoto aprendeu a ouvir, demonstrando interesse em seus olhos verdes e espertos. 
   Quando a primavera chegou, ela substituiu o café quentinho pelo suco de frutas. O verão trouxe sorvete. 
   Ao final, o entregador de jornais já iniciava sua tarefa pensando na parada obrigatória em casa da viúva.     Habituou-se a escutar e escutar. Percebeu, com o tempo, que a velha senhora foi mudando o tom das conversas. 
   Como a primavera, ela voltou a florir, nos meses que vieram depois.
   Quando o ano findou, o menino foi estudar em outra cidade. 
   O tempo se encarregaria de lecionar mais esperança no coração da viúva e amadurecer idéias no cérebro jovem. 
   Muitos fatores contribuíram para que o garoto e a viúva não tornassem a se encontrar. Contudo, uma lição o acompanhou por toda a vida. Ele nunca se esqueceu da importância de ouvir as pessoas, suas dificuldades, seus problemas, suas queixas. 
   Lição que contribuiu também para o seu sucesso como esposo, pai de família e profissional.
   Saber ouvir é uma virtude. De um modo geral, nos cumprimentamos, perguntando uns aos outros, como está à saúde e a dos familiares.
   Raramente esperamos por uma resposta que não seja a padrão: “Tudo bem”.
   Normalmente, se o outro passa a desfiar o rosário das suas dores e a problemática da família, nos desculpamos apontando as nossas obrigações e quefazeres.
   Entretanto, quando nos sentimos tristes, desejamos ardentemente que alguém nos ouça, que escute a cantilena das nossas mágoas.


Imagem: Internet

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