sábado, 10 de agosto de 2013

A CRIANÇA E O SEGREDO

Num bonde de Botafogo, Rio de Janeiro, conversam uma jovem senhora, mãe de uma menininha que a acompanha, e sua amiga. As duas vão falando animadamente sobre assuntos diversos, e no meio delas, a criança se sente um tanto desnorteada. 
Volta a cabeça de um lado para outro, ao mesmo tempo que sublinha cada frase com uma expressão de inteligência ou incompreensão. Quando o assunto está em plena efervescência, a criança intervém com um aparte. E daí em diante a conversa, passando de um lado para o outro, inevitavelmente pára, a uma objeção da pequena interlocutora. 

A certa altura da conversa, a mamãe começa a ficar um tanto inquieta em relação às observações da menina. Mais adiante, já aponta para a paisagem, a ver se ela se distrai. Mas a menina está muito interessada no assunto, e a amiga da mãe parece estar muito satisfeita com isso. O bonde anda mais um pouco, enquanto a criança faz seu comentário pertinente.
Então, a mamãe sorri para a amiga, como quem diz: “Você sabe, é preciso calar a boca desta tagarela...”: e pondo a mão em concha no ouvido da menina, diz qualquer coisa para a amiga, acompanhada de um olhar muito confidencial. 
-Como é? - a menina não entendeu bem. 
E torna a mãe a repetir o segredinho, enquanto a mão enluvada diz que não, com o indicador autoritário e irritado. Como conclusão do armistício, um beijinho rápido e inesperado nos caracoizinhos dourados enrolados na testa.
A amiga sorri, a mamãe sorri, e a menina olha para uma e para outra, meio desconfiada e desapontada, sem dizer mais nada. 
A criança pode ter uns cinco anos. Quando tiver mais dez a mamãe um dia lhe perguntará, entristecida: “Mas, minha filha, que segredo é esse que você me esconde? “
Já não se lembrará que ela mesma lhe ensinou a calar... Que dividiu a vida em duas partes: uma que se pode, outra que não se pode mostrar. E a menina, que antigamente assistia aos exemplos de casa, está praticando, agora, aqueles exemplos.
Quem nos traz tais preocupações com a educação infantil é a ilustre poetisa brasileira, Cecília Meireles, em uma de suas muitas crônicas sobre educação.  A autora é muito feliz em apontar um costume muito comum nas famílias, e que gera conseqüências desastrosas, em muitas ocasiões. 
Por vezes, sem perceber, pais e educadores ensinam os filhos a calar, a esconder sentimentos e a mentir. Seus exemplos ensinam sempre mais do que qualquer retórica inflamada. As crianças fitam a conduta dos pais, e se inspiram nela, já que são sempre seu primeiro e maior referencial. 
Precisamos redobrar o cuidado, e manter com os filhos, desde tenra idade, uma relação franca, sem segredos e sem mistérios. Explicar sempre a razão dos não e dos sim, que serão freqüentes e naturais, faz-se condição indispensável para construir uma boa relação de respeito e amizade. O caminho do porque sim e pronto, ou do porque não e chega, é mais cômodo para os educadores, porém, é perda de oportunidade de educar com profundidade. 
Cultivar o diálogo aberto e franco sempre, é cultivar o amor em sua expressão mais bela e luminosa.


Imagem:Google

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