A
alma infantil, nos diz Cecília Meirelles, como, aliás, a alma humana, não se
revela jamais completa e subitamente, como uma janela que se abre deixando ver
todo um cenário.
É
necessário ter cuidado para entendê-la, e sensibilidade no coração para admirá-la.
A
autora nos narra que, certa vez, ouviu o comentário de uma professora que,
admirada, contava sobre alguns presentes recebidos de alunos seus:
Os
presentes mais engraçados que eu já recebi de alunos, foram, certa vez, na zona
rural:
Um,
levou-me uma pena de pavão incompleta: só com aquela parte colorida na ponta.
Outro, uma pena de escrever, dourada, novinha. Outro, um pedaço de vidro
vermelho...
Cecília
afirma que seus olhos se alargaram de curiosidade, esperando a resposta da
professora sobre sua compreensão a respeito de cada um dos presentes.
A
amiga, então, seguiu dizendo: O caco de vidro foi o que mais me surpreendeu.
Não sabia o que fazer com ele. Pus-me a revirá-lo nas mãos, dizendo à
criança:
"Mas
que bonito hein? Muito bonitinho esse vidro...”.
E
procurava, assim, provar-lhe o agrado que me causava a oferta.
Ela,
porém, ficou meio decepcionada, e, por fim, disse: "Mas esse vidro não é
para se pegar, Não... Sabe para que é?
Olhe:
a senhora põe ele assim, num olho, e fecha o outro, e vai ver só: fica tudo
vermelho... Bonito, mesmo!”“
A
professora finalizou dizendo que esses presentes são, em geral, os mais
sinceros. Têm uma significação muito maior que os presentes comprados.
Cecília
Meirelles vai além, e busca ainda fazer uma análise de caráter
psicológico:
O
que me interessou, no caso relatado, foram os indícios da alma infantil que se
encontraram nos três presentes. E os três parecem ter trazido à mesma revelação
íntima:
Uma
pena de pavão incompleta º reparem bem -, só com aquele pedacinho
"colorido" na ponta, uma pena de escrever "dourada"
novinha, e um caco de vidro "vermelho" são, para a criança, três
representações de beleza.
Três
representações de beleza concentradas no prestígio da cor e desdobradas até o
infinito, pelo milagre da sua imaginação.
Essas
três ofertas, portanto, da mais humilde aparência (para um adulto
desprevenido), não devem ser julgadas como esforço entristecido da criança
querendo dar um presente, sem ter recursos para comprar.
A
significação de dinheiro, mesmo nas crianças de hoje, ainda é das mais vagas e
confusas.
E
sua relação de valor para com os objetos que a atraem é quase sempre
absolutamente inesperada.
Eu
tenho certeza - diz a autora ainda º de que uma criança que dá a alguém uma
pena dourada, uma pena de pavão e um caco de vidro vermelho, os dá com certo
triunfo.
Dá
com certa convicção de que se está despojando de uma riqueza dos seus domínios,
de que está sendo voluntariamente grande, poderosa, superior.
Pense
nisso: “A infância não é somente útil, necessária, indispensável, mas é,
ainda, a conseqüência natural das leis que Deus estabeleceu, e que regem o
Universo.”.
Imagem:Google
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